1 de mai. de 2012

Leucodistrofias

As leucodistrofias são doenças geneticamente determinadas que afetam o sistema nervoso em decorrência de uma alteração progressiva da bainha de mielina, que é uma estrutura que reveste as células nervosas. Embora as leucodistrofias constituam um grupo heterogêneo de doenças, todas apresentam um padrão progressivo de manifestação, o que significa que a doença tende a piorar ao longo da vida do paciente. Atualmente, existem mais de 25 formas conhecidas de leucodistrofias e novas formas estão sempre sendo identificadas. Os sinais clínicos das diferentes leucodistrofias podem diferir muito, havendo também grande variabilidade com relação à idade de início de manifestação dos sintomas.

Em geral, os sinais clínicos se manifestam após um período de vida livre de qualquer sintoma. Nesses estágios iniciais, os sinais clínicos são pouco reconhecidos. As manifestações ocorrem de maneira gradual, sendo paulatinamente notadas como: mudança no tônus corporal e nos movimentos, alterações de marcha, fala, visão, audição, comportamento, memória e processos mentais.
Para a compreensão das leucodistrofias é necessário conhecer algumas das estruturas e funções básicas do sistema nervoso e de seus dois componentes: o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico. Esses dois componentes interagem para receber e transportar os sinais responsáveis pela ativação de todas as funções corporais, inclusive as involuntárias, como a respiração. O sistema nervoso central contém bilhões de células nervosas – os neurônios, responsáveis pela transmissão dos sinais nervosos, e que possuem projeções especializadas chamadas de dendritos e axônios. No cérebro humano, existe uma camada externa de matéria cinzenta, na qual a maioria dos corpos celulares dos neurônios está localizada, e uma massa branca mais interna, que contém os axônios dos neurônios – que são os prolongamentos dos neurônios para outros neurônios e para o resto do corpo. Os axônios são revestidos por uma substância lipídica de coloração branca, chamada de mielina – bainha de mielina -, que tem as funções de proteção, isolamento e condução dos impulsos nervosos. A mielina é necessária para a transmissão rápida da sinalização entre os neurônios e essa função é exercida, basicamente, pela contenção do impulso elétrico dentro do axônio, levando à transmissão apropriada dos mesmos para o próximo neurônio.
Nas leucodistrofias ocorrem danos à bainha de mielina do sistema nervoso central e, em menor proporção, da mielina de outras partes do sistema nervoso. Em certas leucodistrofias, a mielina dos nervos periféricos também pode se achar alterada, além do sistema nervoso central. Com o revestimento de mielina dos axônios danificado, parte dos impulsos elétricos é perdida durante sua transmissão e a velocidade de transmissão é muito diminuída. Em decorrência, o indivíduo afetado apresenta uma perda significativa das funções apropriadas do sistema nervoso (motoras e cognitivas).
Todas as leucodistrofias são resultantes de problemas relacionados à mielina, como o crescimento e a manutenção da mesma, e muitos são os genes que atuam nos diferentes passos do processo de mielinização dos neurônios. Mutações em qualquer um desses genes podem provocar um tipo específico de leucodistrofia. Alguns genes estão relacionados à síntese das proteínas necessárias para a mielina, ao passo que outros são requeridos para o transporte de proteínas para a bainha de mielina. As diferenças clínicas existentes entre os tipos de leucodistrofias refletem as diferenças da etiologia genética, que levam ao comprometimento de regiões do sistema nervoso específicas para cada leucodistrofia.

Em virtude da heterogeneidade genética, o grupo das leucodistrofias comporta vários padrões de herança, como a herança autossômica recessiva (os dois alelos do gene precisam ter mutações para que a doença se manifeste) e dominante (o portador de uma única mutação desenvolve a doença), além da herança ligada ao cromossomo X (os genes com mutações estão localizados no cromossomo sexual X). Cada um desses padrões de herança corresponde a riscos de recorrência da doença muito diferentes. O diagnóstico preciso do tipo de leucodistrofia e o conhecimento de seu padrão de herança genética é muito relevante, não só do ponto de vista do manejo clínico, mas também para a realização do aconselhamento genético adequado.

Na maioria dos casos a leucodistrofia é herdada, mas existem alguns tipos que não o são. Nesses casos, a doença é causada por uma mutação em um gene particular, mas essa mutação não foi herdada, ocorreu na transmissão do gene de um dos pais para o indivíduo afetado – mutação nova. O risco de recorrência na irmandade de um afetado, então, é desprezível.

O diagnóstico específico depende da realização de análises bioquímicas e de exames de imagem, como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada, que permitem identificar muitas anormalidades sutis da bainha de mielina. Algumas dessas anormalidades já estão relacionadas a tipos específicos de leucodistrofias. Os exames que podem ser indicados incluem, por exemplo, a dosagem de ácidos graxos de cadeia muito longa (cujos níveis encontram-se elevados na leucodistrofia chamada de adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X) e a determinação da atividade de algumas enzimas lisossomais (como a arilsulfatase A, que apresenta níveis anormais na leucodistrofia metacromática, e a galactocerebrosidase, alterada na doença de Krabbe).

Em geral, as leucodistrofias têm pouco ou nenhum tratamento disponível, mas algumas formas reagem bem a terapias simples. Como exemplo, pacientes com xantomatose cérebro-tendínea podem ser auxiliados e possivelmente curados tomando uma medicação simples via oral; a substância que se acumula na doença de Refsum pode ser tirada da corrente sangüínea por uma dieta que restringe a ingestão de ácido fitânico. Tentativas terapêuticas existem visando à substituição parcial ou total das proteínas ausentes por meio do transplante de medula óssea. No entanto, tais procedimentos são ainda experimentais e somente são eficazes se iniciados antes que o sistema nervoso seja severamente afetado.

Exemplos de leucodistrofias: Síndrome 18q com deficiência de proteína básica mielina; Adrenoleucodistrofia; Síndrome de Aicardi-Goutieres; Doença de Alexander; Doença de Canavan; Doença de Krabbe; Leucodistrofia metacromática; Doença de Pelizaeus Merzbacher (paraplegia espástica ligada ao X); Doença de Refsum; Adrenoleucodistrofia ligada ao X; Síndrome de Zellweger.

fonte:
http://genoma.ib.usp.br